ENCONTRO COM AS PROFESSORAS DO NÚCLEO DE TEATRO E TV PARA ADOLESCENTES E CRIANÇAS DA CAL

Alice: Vocês cinco são atrizes, formadas pela CAL. Gostaria de saber como vocês chegaram aqui, como a CAL entrou na vida de vocês. E como vocês começaram a trabalhar com jovens.

Andrea: Eu fazia teatro no colégio, estudava no Bennett e fazia teatro lá no TAB, com a Ana Luisa Lima. Eu queria fazer teatro mesmo, queria ser atriz, trabalhar com isso. O meu pai me levou para assistir O Alienista, com o Grupo Tapa. Eu fiquei muito encantada e eu me lembro que o meu pai é que me falou da CAL, ele tinha um amigo que era ator, enfim. A Ana Luisa também me falou da CAL e aí eu vim fazer um curso livre, no Núcleo Jovem, com a Ine Baumann, eu fiz esse curso quando eu tinha uns 14 anos. Depois, com uns 16, quase 17 anos, eu entrei no profissionalizante e me formei em 93. E foi isso, e aí, enfim, estou aqui, desde então.

Ana Luisa: Desde pequena, eu gostava de teatro, eu ia ao teatro. O Aderbal foi a minha casa conversar com o meu pai e a minha mãe perguntou se ele conhecia algum curso profissionalizante. Na época tinha o Tablado, eu fiz um curso lá, mas era só improvisação. O Aderbal falou da CAL, dessa escola nova em Laranjeiras onde ele estava dando aulas. Aí eu vim, eu me lembro tanto da sensação de subir essas escadas, a gente tinha que fazer uma entrevista, tinha uma mesa, e um dos professores da banca era o Yan Michalski. Eu me lembro que eu fui subindo as escadas, logo atrás do Yan, e eu naquele nervoso, o meu número era o 5. O Yan era um crítico super importante, naquela época, teatro era o lance. O Yan escrevia críticas enormes, falando sobre tudo. Aí eu entrei no curso, fui das primeiras turmas. Minha turma era a turma B, e até hoje o meu círculo de amigos é dessa turma. Eu entrei em 83 e me formei em 85, com Sonho de Uma Noite de Verão.

Eu cheguei no Núcleo Jovem através das Marias da Graça. Na minha profissão, eu acabei indo mais pro lado do circo. Eu tava com as Marias, nós tínhamos vindo dar um workshop aqui para os adolescentes e uns dois anos depois, você me chamou para dar um curso aqui. Eu já estava trabalhando com a Marina num projeto social lá na Maré, com jovens. Enfim, na primeira turma eu tive um aluno que ficou um tempão comigo, e hoje em dia ele é meu assistente, no meu espetáculo. (Ana Luisa é a palhaça Margarita, e tem viajado pelo país fazendo seu espetáculo solo e ministrando oficinas).

Thelma: Eu sempre quis fazer teatro, mas na minha família nunca houve essa tradição, na verdade era um desejo meio inexplicável, eu não sabia direito de onde vinha. Eu fazia Comunicação e foi na faculdade que eu fiquei sabendo da CAL, que era uma escola importante, séria, e aí eu vim fazer um curso livre, intensivo, o Mergulho Teatral. Eu fiquei apaixonada e descobri que era isso mesmo que eu queria fazer. Depois eu entrei no profissionalizante, fiz junto com a faculdade, porque eu achei que as duas coisas se complementavam. Eu fui da turma da Marina. Quando o curso acabou, o Gustavo nos convidou a apresentar um projetinho para o Núcleo Jovem, e a gente deu um curso para crianças nas férias, o Na Corda da Viola, que foi um curso baseado em cantigas de roda. Demos uns 5 anos de aulas juntas, e depois a gente “cortou o cordão” e cada uma passou a assumir uma turma, sozinha. Foi super bacana entender que atuar em teatro não é só atuar no palco mas buscar outras vertentes também.

Marina: Eu comecei no Tablado com 14 anos e já tinha descoberto que o teatro era a minha grande paixão. Eu enlouqueci no Tablado. Chegou um tempo que eu quis me profissionalizar, levar a coisa a sério. Eu me lembro que nessa época eu ia muito ao teatro com a minha mãe, e um dia eu fui assistir o Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come, no Cacilda Becker. Esse espetáculo me marcou demais, eu fiquei impressionada, eu nunca tinha visto aquela coisa de grupão, aquela energia jovem. Aí é que eu conheci a CAL através do Bicho Pega, que eu me liguei. Esse pessoal vem de onde? Descobri que era daquela escola de Laranjeiras. Eu fui conversar com o Tuninho, que era o meu professor no Tablado, na época, e falei que eu queria me profissionalizar. Ele me falou: “Vai pra CAL”. No Tablado era improvisação. Daí eu vim pra CAL e fiquei. Acho que a CAL é a minha vida. Porque eu descobri tudo aqui, eu descobri o que eu queria ser, descobri o que eu queria fazer, descobri um amor, tive um filho. Foram 15 anos que fizeram a minha vida.

Ana Luisa: Que lindo isso!

Thelma: Páginas da vida! (risos)

Marina: Thelma foi uma super companheira durante o curso e depois, nesta história de encarar essa experiência de dar aula, de fazer esse caminho contrário. A gente não tinha experiência de dar aula, mas aqui na CAL a gente teve uma formação, somos atrizes, e multiplicamos isso com as turmas, é um ciclo, o que a gente aprendeu, o que a gente passa para os alunos, e agora os alunos que estão aí e muitos deles acabam se profissionalizando também.

Alice: Vocês, Marina, Thelma e Andrea, se formaram em 93. Laura se formou em 2003. E a Ana entrou em 83. É muito legal ver que a Andrea e a Laura foram do Núcleo jovem e hoje são professoras.

Laura: Bom, eu fiz uns cursos aqui na CAL ainda criança, depois fiz três cursos com vocês (Marina e Thelma) e me lembro disso até hoje, a gente trabalhando com comédia del´arte, fazendo as máscaras. O curso chamava Bom Mesmo é Mambembar. Depois, teve um com as cenas do Arthur Azevedo e o Sonho de Uma Noite de Verão. Depois eu passei uns anos sem fazer teatro, fui atleta; voltei com uns 18 anos e fiz o curso profissionalizante da CAL. É engraçado, a princípio eu não pensava muito nessa possibilidade de dar aula. Mas eu sempre acompanhei o trabalho do Núcleo, assistia os trabalhos das crianças, achava super legal, e aí em 2007, eu fui assistente durante o segundo semestre. Nessa época, eu já estava fazendo Direção Teatral na UFRJ e fui fazer um estágio no CAP, na Lagoa. Pela primeira vez eu me vi sozinha diante de uma turma, uma turma com alunos de 16 anos, super resistentes, foi difícil mas eu lidei bem com isso. Quando a Marina viajou no segundo semestre de 2008, surgiu a oportunidade de pegar uma turma, foi uma experiência muito bacana, eu montei O Bem Amado. e logo depois comecei também com uma turminha de crianças no Colégio Santo Agostinho.

Andrea: Eu comecei a dar aula com outra pessoa que também tinha estudado na Cal. Demos alguns cursos juntos a partir de 1998, depois parei um tempo e, em 2000, você me ligou para dar um curso de férias para crianças. Eu fui ficando. Bem, eu não encontrei o meu amor aqui, também não tive o meu filho aqui, mas estou na CAL desde os meus 14 anos. Vou fazer 37. Eu não sei nem direito como é não vir para a CAL. Eu sempre fiz cursos aqui, nunca deixei de vir. Eu nunca pensei em ser professora na minha vida, no começo eu ficava muito nervosa, eu preparava aula com uma semana de antecedência, mas na hora a gente tem que lidar com as coisas que vão acontecendo, aquilo servia só como um roteiro. Isso acaba virando uma cachaça tão boa quanto estar em cena atuando. Eu me apaixonei por dar aulas para adolescentes.

Marina: A partir do teatro a gente descobriu como educar. Primeiro, veio o teatro, depois veio a educação. Eu acho isso fascinante. Porque a gente não aprendeu a dar aula. A gente viveu o teatro, passou por diversas pessoas e com o tempo foi desenvolvendo um jeito de trabalhar com esses grupos, o que é imprevisível sempre, mas desenvolveu um método próprio, cada uma aqui já tem um repertório, a sua munição. E tenho certeza de que cada uma de nós tem o seu jeito de trabalhar, que foi se aprimorando com a prática.

Andrea: Eu recebi, uma vez, uma mensagem de uma aluna minha, de muito tempo atrás, que me disse: “Você me ensinou a ocupar o espaço, a não esquecer os meus objetivos e que eu não preciso fazer chapinha no meu cabelo!” Eu achei lindo e tenho essa mensagem guardada até hoje.

Alice: Um aluno meu, de seis anos, uma vez, disse o seguinte. A mãe, que não podia entrar na sala de aula e estava curiosíssima, perguntou pra ele: “E aí, o que é que você está aprendendo?” Ele deu uma pausa, pensou e respondeu, com segurança: “O espaço!”

Ana Luisa: Muito legal. “Esse é meu, mãe. Fica aí!”

Alice: Eu achei muito incrível a resposta dele, porque são tantos os espaços que o teatro trabalha, o espaço físico, a relação consigo mesmo, com os outros, é o espaço emocional, o espaço da fantasia, da realidade.

Thelma: No teatro você precisa improvisar o tempo inteiro, esse aprendizado de improvisar, se você leva isso pra vida também, isso é genial, essa capacidade de lidar com novas situações; se você aprende a lidar com o que não está planejado, quando você tem esse domínio, e na vida você nem sempre tem, é muito bom. Isso de alguma maneira o teatro estimula.

Alice: No teatro, não tem essa coisa assim tão rígida do certo e do errado. No teatro, a gente vai em busca de alguma coisa, tem alguma coisa que você pretende, que na tua cabeça seria o ideal mas que você vai construindo. Você vai seguindo por um caminho que você, de alguma maneira, imaginou, mas é tudo muito fluido, o inesperado está sempre presente.

Ana Luisa: Quando eu era criança, eu não fui criança de play, de shopping. Eu acho que hoje o computador está isolando demais, no teatro o importante é o grupo, é o que você constrói junto. Eu acho isso o mais legal, quando eu dou aula eu sempre tento fazer com que eles trabalhem juntos. Cada um com a sua individualidade, sim, mas construindo o espírito de grupo.

Alice: Uma coisa que eu acho emocionante no trabalho que a gente faz na CAL, mesmo nos cursos de férias, mais curtinhos, ou nos cursos semestrais, é que a gente junta alunos de vários bairros, de realidades tão diferentes, de idades diferentes, de classes sociais diferentes, de religiões diferentes, com objetivos às vezes completamente opostos. Um menino, às vezes, trazido pelo cangote, porque é super tímido e a mãe acha que o teatro vai deixar ele menos tímido; uma outra mãe que já traz a criança na expectativa dela ir, o mais rápido possível, para a televisão. Uma clientela tão variada e na verdade a gente busca essa coisa que é eles se sentirem parte de um grupo, eles se respeitarem. O teatro junta todos eles e as diferenças se diluem, por exemplo, quando a gente gosta de uma peça e se envolve com aquilo. Quando a gente tem um objetivo comum, o resto parece que some.

Thelma: Como professora, a gente tem que desenvolver a sensibilidade de lidar com essas expectativas diferentes. Eu sempre tive esse cuidado de dizer para os meus alunos que ninguém tem que decidir nada ali, naquele momento. Ninguém precisa optar pelo teatro naquele momento, é um curso libertador, que ajuda a gente a se conhecer.

Ana Luisa: Eu vejo como os nossos alunos hoje em dia são tão ocupados, eles têm uma agenda incrivelmente cheia. É um estresse! Eu penso que o teatro também estimula muito a leitura e de alguma maneira junta as pessoas, quando eles estão precisando decorar o texto, e eles pedem a ajuda dos pais, é bem interessante. Uma vez, o final da peça não estava ensaiado direito, aí eu botei os pais pra lerem a última cena da peça e foi muito emocionante.

 Alice: Os pais viveram as emoções dos filhos naquele momento, ficaram nervosos, com medo de gaguejar, de não lerem direito, uma mãe perguntou se tinha falado alto, se tinha se saído bem etc Foi muito legal. Você estava falando desse curso, em que os alunos não decoraram o texto inteiro, e eu acho que os adolescentes gostam de correr risco, gostam de viver perigosamente, cada vez mais eles deixam tudo pro último minuto. Se deixar, decoram na véspera.

Ana Luisa: Eu acho que eu era exigente demais. Eu cobrava o compromisso deles de uma maneira meio exagerada, eu brincava, “a professora histérica agora vai gritar!”.

Marina: Eu ando pensando muito na importância que a gente adquire na vida deles. Porque eu tenho, não só aqui e também em outros lugares em que eu trabalho, aquele aluno que chega pra você e diz:: “Vou fazer artes cênicas. Vou ser ator. Quero ser atriz” Isso é um peso! Quinze anos se passaram e eu não parei muito pra pensar na influência que a gente exerce na vida dessas pessoas. O adolescente, ali na hora do vestibular...Dá vontade de dizer, “não faz isso agora não, pensa melhor!”

Thelma: O cara é adolescente, não é mais criança e nem é adulto, naquele corpo que está se transformando, ele não tem tempo de acompanhar, dá aquela esquizofrenia. O teatro é uma coisa desafiadora, você tem que se atirar, vai pensar de outra maneira, vai viver vários personagens, é um momento bem difícil. O teatro mexe com emoções que a princípio ele não mexeria, naquele momento, espontaneamente. Eu acho que é muito diferente dar aulas pra crianças e pra adolescentes.  Eu acho que as crianças são mais abertas, elas contestam menos, elas estão ali com maior disponibilidade, o teatro está tão perto da vida delas, de virar uma coisa, de depois brincar de ser outra.

Alice: As crianças embarcam nas propostas com mais liberdade, os adolescentes em geral sofrem mais, já têm uma cobrança interna maior, ficam preocupados em saber se estão fazendo certo.

Laura: Eu tenho trabalhado com adolescentes e crianças. Eu percebo que a gente pode ser mais exigente com os adolescentes, com as crianças o desafio é tornar tudo sempre divertido, sem excesso de exigências. O adolescente é mais crítico, mais resistente, às vezes meio blasé, mas eu estou gostando das duas experiências.

Alice: Quando vocês estão diante de uma turma, por exemplo, no primeiro dia de aula de um novo curso, o que vocês pretendem?

Ana Luisa: Eu quero que eles se divirtam, que tenham prazer, teatro é jogo.

Laura: Eu concordo que a diversão tem que fazer parte sempre.

Marina: Eu não penso propriamente nisso, mas o meu entusiasmo é grande e eu acabo passando pra eles o meu amor pelo teatro, a primeira lição acaba sendo essa.

Andrea: Eu sempre penso nessa história que a gente tava falando aqui, nessa diversidade dos nossos alunos. E eu penso nisso, na minha relação com eles, que aqui eles vão achar o seu espaço, que eles são muito diferentes mas que aqui vai ter espaço pra todo mundo. Você vai ter voz, vai se expor, vai poder produzir e aquele que se achava muito esquisito, vai descobrir que a esquisitice dele aqui é muito legal. Eu penso muito nisso. Eu falo facilmente a língua dos adolescentes. Às vezes eu falo pra eles que tá faltando um pouco de maluquice. Uma aluna, no último dia de aula, na avaliação, falou que “aqui eu aprendi a ser um pouco maluca!”, e isso fez a maior diferença pra ela, porque ela é uma garota muito certinha, atleta, ótima aluna, que estuda numa escola fortíssima. O teatro deu a ela um espaço de liberdade.

Alice: Eu sinto que o fato da gente fazer as apresentações numa data fixa, que não pode ser mudada, dá uma concretude ao nosso trabalho, eles completam uma experiência, vão até o fim. E vencem os medos, o que é uma coisa fortíssima.

Ana Luisa: Esse momento é importante pra eles, pras famílias, e pra gente também. O teatro não transforma só quem faz, transforma quem vê também.

Andrea: Eu tive uma aluna que chegou aqui muito tímida, ela olhava pro chão e tentava se esconder atrás de gente muito menor do que ela. Ela fez vários cursos, foi ficando, virou minha assistente, entrou no profissionalizante. Eu vi a transformação dessa menina, na minha frente.

Alice: Nesse semestre, eu tive um aluno pequenininho, de seis anos, muito participante e animado. A família leva muito ele ao teatro, ele já conhecia a história, vinha pra aula na maior alegria. No último dia, depois da apresentação, a família ia viajar mas ele não deixou, porque não queria perder nenhuma aula. A mãe contou que ele, que não gosta muito de esporte, comentou: “Agora eu tenho amigos que gostam do que eu gosto!”

Muito obrigada a vocês, pelo trabalho que a gente realiza, juntas. Agradecemos também a Clara Nielsen e a Rodrigo Becker, que gravaram e fotografaram este encontro. E agora, vamos brindar. Viva o Núcleo! Viva o teatro!

 




 

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