“A Máquina de Abraçar”: mais uma
bem-vinda dramaturgia contemporânea
a conquistar os palcos.

Atualmente, dentro do panorama capitalista mundial, dizem que o teatro também vem sofrendo a sua crise.  Ainda mais num mundo onde as múltiplas formas de mídia, como  cinema, internet, televisão etc conseguem atrair de maneira mais rápida e instantânea o público, o qual cada vez mais deixa de ser espectador da tradição teatral.  Mas devido aos esforços de dramaturgos contemporâneos, o teatro tem a possibilidade de renovação graças a novos textos.

Este é o caso do novo espetáculo “A Máquina de Abraçar”, do autor e diretor espanhol José Sanchis Sinisterra (com tradução de Eric Nepomuceno), em cartaz num anexo alternativo no Espaço Tom Jobim.  A montagem apresenta a estréia de Malu Galli na direção, com o elenco composto por Marina Vianna e Mariana Lima.

Tendo como fim investigar as relações humanas e seus potenciais problemas atuais, o texto, escrito em 2002, constitui como tema central o distúrbio do autismo.  Para isso, o drama se passa num congresso psicanalítico, onde ocorre o encontro de uma terapeuta com sua paciente, as quais foram lá para relatar as suas experiências.  Por causa do eficiente tratamento da terapeuta Miriam Salinas, a sua paciente, a botânica Iriz de Souza, obteve uma incrível recuperação, a qual a permitiu escrever um livro sobre plantas e seus possíveis sentimentos, além de também inventar uma máquina de abraçar, tendo em vista que os autistas têm dificuldade em relação a contatos corporais com outras pessoas.

No caso, o que pretende se levar em conta como reflexão é como, nos dias de hoje, a dificuldade de comunicação e os limites da linguagem impossibilitam o contato entre as pessoas e, consequentemente, geram os impasses para um mundo afetivo, acessível e humano.  Daí a explicação para o título “A Máquina de Abraçar”, que na peça se remete à invenção proposta pela paciente Iriz de Souza.  Aliás, esta é uma excelente metáfora para colocar em jogo a possibilidade de aceitar as diferenças das outras pessoas e, assim, concretizar uma maior união entre os homens.

Tendo sua estréia na direção, Malu Galli se destaca na nova triagem de atores experientes que vêm experimentando as rédeas de dirigir um espetáculo, como Guilherme Leme, Emílio de Mello, Inez Viana e outros.  A direção de Malu Galli propõe uma dinâmica interessante ao texto ao dispor de dois palcos: um para a autista e outro para a terapeuta, além das cadeiras giratórias, que permitem o público mudar o seu foco de visão de acordo com as transições do espetáculo.  Isto desperta o constante interesse do espectador para a obra que está sendo assistida.

Em relação às duas atrizes, pode-se dizer que, mesmo levando em consideração as suas contribuições individuais às suas respectivas personagens, o brilho da peça se encontra na química criativa e artística entre elas.  É justamente a dedicação de Marina Vianna em esboçar a determinação, disposição e esforço de sua personagem que consegue enriquecer o desempenho de Mariana Lima: uma notável interpretação de uma autista, sem os gestos e clichês óbvios, mas sim com a absoluta entrega de apresentar uma versão inteligente e honesta da sua personagem Iriz de Souza.

Felizmente, estamos diante de um espetáculo rico em indagações, reflexões e sentimentos.  É bonito ver uma equipe como esta lutando para manter o teatro com a sua boa qualidade, e defender um texto contemporâneo e inédito no Brasil, de um dos mais ativos pensadores do teatro ainda vivos, como é o caso de José Sanchis Sinisterra.  Deve-se apreciar este, sem dúvida, um dos melhores espetáculos do ano.