Fernanda Montenegro chega aos 80 anos, dos quais mais de 60 dedicados às artes cênicas, com uma brilhante carreira fundamentada num curriculum da mais alta qualidade que a tornou uma unanimidade.

Seguramente uma das maiores atrizes do mundo, Fernanda possibilitou uma valiosa colaboração à televisão através de seu vasto talento.Foi a primeira atriz contratada pela TV Tupi do Rio, em 1950, que contava com representantes de todas as tendências artísticas da época como Grande Otelo, Silveira Sampaio, Colé, Chocolate, os comediantes da Cinelândia e da Praça Tiradentes, atores do Teatro Universitário , do Paschoal Carlos Magno e até mesmo as girls de Carlos Machado.Logo após foi uma das protagonistas, ao lado de Sérgio Britto, Nathalia Timberg e Ítalo Rossi, do "Grande Teattro Tupi" e suas 420 peças, oportunidade rara não vivenciada por nenhuma outra geração de atores.

Fernanda participou da primeira novela diária carioca, "A Morta Sem Espelho", de Nelson Rodrigues,em 1963,na TV Rio, ao lado de Paulo Gracindo, dirigida por Fernando Torres e Sérgio Britto. No mesmo ano fez mais duas novelas , na TV Rio, "O Tronco do Ipê", curiosa adaptação de Nelson Rodrigues para o romance de José de Alencar e " O Retrato", de Eni Bulhões de Carvalho.

Com as novelas já instaladas no cotidiano brasileiro, é convidada pela TV Tupi de São Paulo, em 1966, para interpretar Amália, a heroína de "Calúnia", de Talma de Oliveira, fazendo par romântico com outro ícone do teatro, Sérgio Cardoso, perseguida pela vilã Geórgia Gomide e reencontrando seu colega de teatro, Elísio de Albuquerque.No ano seguinte assina contrato com a TV Excelsior, onde fica até o seu fechamento em 1970.

A Excelsior retransmitia em vídeotape as novelas para quase todo o Brasil, possibilitando à população brasileira, além de São Paulo e Rio de Janeiro, a oportunidade de conhecer grandes interpretações de Fernanda e a respeitar e a admirar a sua competência. Nesse período participou de três longas novelas com belos personagens: "Redenção", de Raimundo Lopes, a mais longa novela até hoje, onde interpretou Lisa, a filha bastarda do prefeito vivido por Rodolfo Mayer, ao lado de Francisco Cuoco e Newton Prado, com quem fez par; "A Muralha",de Ivani Ribeiro, baseada em Dinah Silveira de Queirós, um dos grandes momentos das novelas brasileiras, onde representou Mãe Cândida, sendo mãe de Nathalia Timberg, Gianfrancesco Guarnieri, Edgar Franco e Maria Isabel de Lizandra, dirigida por Sérgio Britto; sem férias emendou em outro belo momento, "Sangue do Meu Sangue", de Vicente Sesso, como a dócil e submissa Júlia, maltratada pelo marido Clóvis, interpretado por Henrique Martins, ao lado de Francisco Cuoco, Tônia Carrero, Nicette Bruno e Rosamaria Murtinho., também dirigida por Sérgio Britto.

Com a falência da Excelsior,Fernanda fica afastada das novelas por quase 10 anos, fazendo apenas dois especiais: "O Canto da Cotovia", na TV Tupi RJ e "Medéia", adaptação de Vianinha para a tragédia de Eurípedes, na série "Caso Especial", da TV Globo, retornando em grande estilo na novela "Cara a Cara", de Vicente Sesso, na TV Bandeirantes, interpretando Ingrid, uma refugiada dos campos de concentração em busca do filho vivido por David Cardoso e reencontra, no papel de sua antagonista, Nathalia Timberg, sua companheira do TBC, do Grande Teatro Tupi e da Excelsior.

Em 1981 finalmente entra para a TV Globo em "Baila Comigo", de Manoel Carlos, como a excêntrica Sílvia e passa diretamente para a novela seguinte, "Brilhante", de Gilberto Braga, como a sofisticada e cruel Chica Newman, que se redime ao se apaixonar pelo motorista interpretado por Claudio Marzo, ganhando todas as atenções e torcida do público brasileiro. Em 1983, num momento histórico da televisão, interpreta a eterna Charlô, numa dupla inesquecível com Paulo Autran, em "Guerra dos Sexos", de Silvio de Abreu, que, coincidentemente, trabalhara como ator em "A Muralha" e "Sangue do Meu Sangue". Com "Guerra dos Sexos", Fernanda torna-se uma diva também das novelas, com uma empatia popular semelhante às grandes estrelas como Regina Duarte, Glória Menezes e Dina Sfat. A sintonia com Silvio de Abreu torna-se uma parceria definitiva, com quem faz  Naná , a adorável trambiqueira de "Cambalacho", ao lado de um maravilhoso Guarnieri, em 1986, a irreverente Lulu em "As Filhas da Mãe", em 2001, e a arrebatadora Bia Falcão, que parou o Brasil em "Belíssima", em 2005.

O genial talento de Fernanda foi reverenciado e saboreado  em todas as suas personagens como a Olga , a cafetina de " O Dono do Mundo", de Gilberto Braga, em 1991, onde tinha belos  duelos de interpretação com a sua mais constante companheira  de trabalho, Nathalia Timberg; a simpaticíssima Madalena de "O Mapa da Mina"; a comovente prostituta Jacutinga de  "Renascer", de Benedito Ruy Barbosa, ambas em 1993; a determinada "Zazá", de Lauro Cesar Muniz, em mais um encontro com Nathalia; a  vovó italiana  Luiza, de "Esperança", também de Benedito e nas minisséries "Riacho Doce, de Aguinaldo Silva, como a trágica Vó Manuela, a morta Quitéria de "Incidente em Antares", de Nélson Nadotti,baseada em Érico Veríssimo, a Madrasta e a Cabeça de "Hoje é Dia de Maria",  dirigida por Luiz Fernando Carvalho,e Iraci ,a mulher sedenta de vida, em "Queridos Amigos", de Maria Adelaide Amaral.

Todos esses trabalhos permitiram  que  milhões de brasileiros de todos os níveis sociais e intelectuais pudessem  ter contato com a arte de Fernanda Montenegro , valorizando  e enobrecendo a nossa cultura e a nossa arte. Fernanda completa 80 anos fazendo parte da primeira geração de atores octogenários em plena atividade e vivendo da profissão (Bibi, Sérgio, Nathalia, Cleyde, Tônia, Laura, Beatriz, Leonardo Villar, Eva Todor) que o Brasil viu envelhecer trabalhando e certamente se orgulha de tão preciosa labuta. Fernanda Montenegro é exemplo da mais alta dignificação da profissão do ator. Parabéns!