Algumas opções parecem unir as montagens de formatura dos alunos da Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) nesse segundo semestre de 2009, como o vínculo com textos da chamada dramaturgia clássica (As Bruxas de Salém, de Arthur Miller, e A Gaivota, de Anton Tchekhov), a conexão com o cinema (Fahrenheit 451, de François Truffaut, e Feios, Sujos e Malvados, de Ettore Scola) e o uso de espaços não-convencionais (a Casa da Glória, que recebeu as encenações de As Bruxas de Salém e Até que a Morte nos Separe).

Inez Viana abraçou uma proposta trabalhosa: transportar um filme para o palco. A adaptação de Os Ordinários ficou a cargo de Diogo Camargos, mas a diretora se viu obrigada a criar novos personagens para dar boas oportunidades aos 22 formandos. Além disso, a história do homem que mora num casebre em Roma com a mulher, os dez filhos e vários parentes teve seu contexto alterado. “Transportamos a ação para uma favela brasileira”, revela a diretora, que, porém, tomou cuidado para não perder de vista o principal do filme de Scola, realizado em 1976. “Valorizamos o lado engraçado da tragédia humana, a exemplo da personagem da avó que tenta aprender inglês pela televisão em meio à maior miséria. Ao mesmo tempo em que sentimos pena, rimos da situação”, afirma. Inez Viana procurou se distanciar da gramática cinematográfica. “Não dá para competir com o cinema ou a televisão. Minha preocupação foi a de estimular a imaginação do espectador”, sublinha.

Felipe Vidal também partiu de um filme, Fahrenheit 451, realizado por Truffaut em 1966, que, porém, não foi sua única fonte. A partir de uma sugestão da tradutora Daniele Ávila, o grupo investigou o livro homônimo de Ray Bradbury. O título é uma referência à temperatura de queima do papel, referente a uma época futura em que os livros são proibidos por um regime totalitário. “Há uma questão que eu tinha vontade de abordar: será que o livro vai acabar? Acho importante falar sobre o conhecimento nos dias de hoje”, destaca Felipe, que utilizou ainda como matéria-prima criativa a adaptação da história para os quadrinhos. Para aproximar os alunos da obra de Bradbury, Felipe investiu na criação coletiva de um roteiro iconográfico, que consumiu metros de papel.

A viagem proporcionada por Ivan Sugahara foi diferente. Depois de uma bem-sucedida montagem de formatura inspirada em Cyrano de Bergerac, de Edmond Rostand, que acabou provocando o surgimento de um novo grupo, o Laranja Eletrônica, Ivan partiu para As Bruxas de Salém, um dos textos mais importantes da dramaturgia realista, no qual Arthur Miller destaca, a partir de um distanciamento temporal, a perseguição promovida pelo Comitê de Atividades Antimaericanas, capitaneado pelo senador Joseph McCarthy, contra todos aqueles que pudessem ter qualquer suspeita de envolvimento com o comunismo. “Cheguei pensando em outras propostas de montagem. Conversei com os alunos e pedi para eles apresentarem cenas. Percebi que se identificavam mais com a linguagem realista e com o tom dramático”, conta. Ivan já tinha vontade de montar o texto, ainda que, à frente do grupo Os Dezequilibrados, tenha se aproximado da dramaturgia realista apenas nas montagens de Um Quarto de Crime e Castigo, a partir da obra de Dostoievski, e Últimos Remorsos antes do Esquecimento, de Jean-Luc Lagarce. O projeto mobilizou os alunos. “Eles tinham um fundo de caixa que serviu para prorrogarem a temporada por mais duas semanas. Ficaram mais sozinhos, montando e desmontando cenário, fazendo bilheteria. Foi uma vivência importante para eles, que deu a dimensão de que o teatro não termina no palco”, ressalta.

Thierry Trémouroux, por sua vez, escolheu trabalhar a partir de A Gaivota, uma das quatro grandes peças de Tchekhov (as outras são O Jardim das Cerejeiras, As Três Irmãs e Tio Vanya) escritas num momento de grande proximidade com Constantin Stanislavski (a ponto do símbolo do Teatro de Arte de Moscou, fundado em 1898, ser uma gaivota). “A partir de A Gaivota, 19 atores lançam-se em queda livre para mais uma criação coletiva em ‘busca de formas novas’. Se é verdade que o ator-artista foi desarmado e aprisionado – obedecendo, assim, a todas as conveniências e leis que regem o bem-estar numa sociedade de produção e de consumo, perdendo, por fim, a sua independência –, a reforma do teatro e da arte do ator deve realizar-se de maneira a tocar os fundamentos do ofício”, observa.

Como vem acontecendo com considerável constância ao longo dos anos, os novos formandos da CAL deverão alçar lugares de destaque no mercado profissional brasileiro.