Através de Gypsy, Charles Möeller e Claudio Botelho realizam uma viagem no tempo. Ao evocarem a trajetória da stripper Gypsy Rose Lee (1911-1969), olham para o passado detectando um momento de passagem na história do teatro musical norte-americano – do vaudeville ao burlesco. “O vaudeville francês, do qual temos referência, é diferente do americano, uma espécie de show de variedades formado por esquetes musicais. Já o burlesco marca o ressurgimento de um teatro mais picante, a sexualização da família. Muitos dizem que o vaudeville americano acabou com a entrada do cinema e que o burlesco, em contrapartida, ganhou força porque os espectadores podiam ver no teatro algo inacessível no cinema”, contextualiza Möeller.

Mas a perspectiva de Gypsy não é apenas revisionista. Por meio de seus espetáculos, Möeller e Botelho evidenciam as transformações no teatro musical contemporâneo. “O teatro musical vive uma eterna negação de si mesmo. Espetáculos caminham na contramão de montagens apresentadas há um ou dois anos. O gênero está sempre respirando, em aberto”, afirma Möeller.

Em cena, o espectador acompanha o percurso da personagem-título, com foco na relação passional com a obsessiva Mama Rose (interpretada por Totia Meireles), determinada a inserir as filhas, Louise (posteriormente rebatizada de Gypsy, papel de Adriana Garambone) e June (Renata Ricci), em estrelas do mundo do entretenimento. “A obsessão de Mama permanece atual. A determinação em transformar a própria cria numa estrela nunca esteve tão presente quanto hoje, em que a televisão produz uma ascensão numa microssérie e em que nos deparamos com celebridades fabricadas no twitter. Apesar de dizer que faz tudo pelas filhas, Mama as atropela com seus sonhos”, resume Charles Möeller.

Mama Rose é, sem dúvida, uma personagem que exerce fascínio. “Ela é um bicho selvagem, uma sobrevivente, muito diferente de Florence Foster Jenkins, que também queria a glória, mas era muito delicada, vivia num mundo de rosas azuis que construiu para si”, observa Möeller, mencionando a protagonista de Gloriosa, interpretada por Marília Pêra, considerada “a pior cantora do mundo”.

Com texto de Arthur Laurents, música de Jule Styne, e coreografias de Jerome Robbins, Gypsy proporciona a Möeller e Botelho uma revisita a Stephen Sondheim depois das bem-sucedidas experiências de Company e Lado a lado com Sondheim. Em Gypsy, o compositor ainda estava em início de carreira e responde “somente” pelas letras. “Nas canções um pouco mais cruéis, amargas, irônicas e mordazes detecto o Sondheim de criações posteriores. Mas há diferenças de estrutura: em Gypsy a canção faz a história avançar, ao passo que em Company as músicas poderiam ser retiradas sem prejuízo para a história porque estão a serviço dos sentimentos dos personagens”, diferencia Claudio Botelho.

A realização de determinados projetos decorre da paixão de Botelho; outros, de Möeller. Gypsy conjuga o desejo de ambos. “Na verdade, começou como uma paixão minha. É um dos meus primeiros musicais favoritos. Compramos os direitos antes mesmo da montagem com Patti LuPone. No início, Charles tinha mais medo da peça do que eu. Mas, com o passar do tempo, ele tomou as rédeas do projeto e fez mais do que eu pelo espetáculo”, afirma Botelho em relação a um musical que reúne 38 atores, 17 músicos, 18 trocas de cenário e 140 figurinos.