Em pouco mais de um ano as artes cênicas brasileiras perderam quatro atrizes da maior importância: Yoná Magalhães, Marília Pêra, Tereza Rachel e Vida Alves. Atrizes oriundas do teatro, do cinema ou do rádio elas participaram de momentos decisivos da telenovela brasileira em seus 65 anos de existência e deixaram para sempre as suas marcas.
Yoná Magalhães participou de inúmeros teleteatros e novelas não diárias na TV Tupi do Rio de Janeiro e foi "responsável" pelo filme Deus e o Diabo na Terra do Sol, pois seu marido, Luiz Augusto Mendes, queria produzir um filme para ela e Yoná escolheu Glauber Rocha como diretor, surgindo, portanto, o filme que projetou Glauber e o Cinema Novo. Após o filme, Yoná ficou desempregada e Walter Clark, diretor da TV Globo na época, a convidou para protagonizar a novela Eu Compro essa Mulher, de Glória Magadan, formando dupla com Carlos Alberto. O sucesso foi imenso e pela primeira vez uma novela da TV Globo liderava a audiência. Liderança jamais perdida. As novelas seguintes com a dupla atingiam audiências cada vez maiores. Yoná tornou-se um ídolo. Cabe, portanto, a Yoná o pioneirismo de ser a atriz principal da novela que promoveu a liderança à TV Globo. As que vieram logo a seguir solidificaram essa liderança.
Depois desses anos estelares, Yoná amadureceu o seu talento e interpretou belos personagens mantendo-se em destaque permanente. Serão inesquecíveis a Maria Ramos de Simplesmente Maria, Nara, a grã fina malvada, de Uma Rosa com Amor, Kátia, a sobrevivente do incêndio do Edifício Joelma em O Grito, a espanhola Mercedes de Os Imigrantes, a Índia do Brasil de O Outro, a reprimida Tonha de Tieta, a vedete Pepita de Cavalo Amarelo, a exuberante Virgínia de Paraíso Tropical, Glória, a avó em busca do neto de Sangue Bom. Esses e vários outros personagens ficarão no imaginário de seu imenso público que reconheceu o seu talento e a admirou em quase 60 anos de carreira.
Marília Pêra já fazia teatro e participava de alguns teleteatros e programas humorísticos quando também exerceu sua função de pioneira. As duas primeiras novelas da TV Globo (Ilusões Perdidas e Paixão de Outono) foram coproduções com a TV Paulista. A primeira novela produzida exclusivamente pela TV Globo foi Rosinha do Sobrado, de Moysés Weltman, e a personagem-título foi interpretada por Marília Pêra. Portanto, Marília foi a primeira mocinha das novelas da Globo. Fez mais três novelas seguidas: A Moreninha, Padre Tião e Um Rosto de Mulher. Um gênio como atriz, Marília é considerada por muitos como a maior atriz brasileira de todos os tempos. Todo esse talento também foi absorvido pela televisão. Enquanto ganhava todos os prêmios no teatro por Fala Baixo Senão eu Grito, ela interpretava Manuela em Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso, a novela que revolucionou o gênero. Em seguida fez Super Plá, do mesmo Bráulio, na qual interpretou Joana Martini, um sucesso de personagem que virou peça de teatro: A Vida Escrachada de Joana Martini e Baby Stamponato, fracasso em São Paulo e sucesso absoluto no Rio. Esse sucesso a levou de volta à TV Globo como Shirley Sexy, par de Francisco Cuoco em O Cafona, também de Bráulio Pedroso.
Shirley Sexy pode ser considerada a primeira anti-mocinha das novelas. Desajeitada, brincalhona, amante do patrão e profundamente solidária. O Brasil sucumbiu ao seu talento e Marília tornou-se atriz do primeiro escalão da TV Globo ao lado de Regina Duarte, Glória Menezes e Dina Sfat. Marília valorizou a teledramaturgia com notáveis interpretações. Como não lembrar da doce Serafina em Uma Rosa com Amor, da independente Noeli de Bandeira 2, da impagável Rafaela Alvaray de Brega & Chique, da amarga Juliana de O Primo Basílio, da autoritária Custódia de Meu Bem Querer, da Vó Doidona de Começar de Novo, da tonta Gioconda de Duas Caras, da tresloucada Milu de Cobras e Lagartos, da diabólica Maruska de Aquele Beijo. E o requinte interpretativo como Darlene, seu último trabalho, em Pé na Cova. O primoroso foi materializado na arte de interpretar.
Tereza Rachel, uma das grandes damas do teatro, chega à televisão já reconhecida como uma de nossas melhores atrizes. De fortíssimo temperamento cênico, Tereza tem uma passagem pela TV Excelsior, onde faz A Pequena Karen no mesmo momento em que atua em Liberdade, Liberdade no teatro. No auge de seu investimento artístico construindo o Teatro Tereza Rachel e trazendo grandes diretores mundiais para dirigi-la, Tereza entra mais definitivamente nas novelas. Na TV Tupi do Rio é a mítica e valente Maria Homem de Jerônimo, o Herói do Sertão, personagem adequada a sua forte presença. Em seguida entra para a TV Globo no momento em que a emissora investe em autores vindos do teatro. Arrebata como Lupe Garcez, a socialite ciumenta e passional, em O Rebu, de Bráulio Pedroso, e como Débora, uma atriz decadente, em O Grito, de Jorge Andrade.
Interpretações arrojadas dignas do talento de Tereza. Como Clô Hayala em O Astro, de Janete Clair, alcança uma enorme popularidade. Entra em Marrom Glacé como a humana Lola, fazendo par com Lima Duarte. Atua em Baila Comigo, ao lado de Raul Cortez e em Paraíso com Sergio Britto, ambos colegas dos palcos. Entra no rol das famosas vilãs de Gilberto Braga em Louco Amor, como Renata Drummond, personagem desesperada pela manutenção de um status social. E arrebata e diverte o Brasil como a inesquecível Rainha Valentine, de Que Rei sou Eu?, um grande sucesso de Cassiano Gabus Mendes. Tereza aliou prestígio e popularidade e suas atuações contribuíram para ampliar o valor artístico de nossa teledramaturgia.
Vida Alves chega à televisão no seu início, já conhecida do rádio e do cinema. É a nossa pioneira. Foi a atriz principal de Sua Vida me Pertence, na TV Tupi de São Paulo, a primeira novela da televisão brasileira. Exibida ao vivo, inoculou no telespectador o amor pelas novelas. Paralelamente tinha uma vasta atuação nos teleteatros e programas da emissora.
Vida participou de várias novelas não diárias e tornou-se um nome conhecido. Participou da segunda novela diária de Tupi, A Gata, de Ivani Ribeiro, contracenando com Lima Duarte. Durante os anos 1960 atuou com destaque em várias novelas da Tupi como O Mestiço, O Amor tem Cara de Mulher, A Outra, Meu Filho, Minha Vida, O Rouxinol da Galileia e no final da década de 60 transferiu-se para a Excelsior, onde atuou em duas novelas de Ivani Ribeiro, Os Estranhos e Dez Vidas.
A palavra "pioneira" cabe bem à Vida. Além de ter sido a atriz principal da primeira novela da televisão, foi a primeira atriz a beijar nessa mesma novela e também a primeira a beijar uma outra mulher (Geórgia Gomide) em Calúnia, peça teatral apresentada no TV de Vanguarda, da TV Tupi. Vida também se dedicou à memória da televisão, criando com esforço incessante o Pró-TV /Museu da TV. Sua participação em mais de 70 anos de vida artística jamais será esquecida.
Quatro atrizes, quatro mulheres, quatro guerreiras, quatro mitos. A história da teledramaturgia brasileira fará jus a elas e as tornará imortais.